terça-feira, 24 de setembro de 2013

Obsolescência Programada - fabricado para não durar.


Já faz algum tempo que estudo sobre obsolescência programada, ou seja, a capacidade de um objeto estragar depois de algum tempo. No início não acreditei que empresas pudessem engendrar uma forma de estragar os objetos que compramos, já que isso é contra uma série de princípios de nosso ordenamento jurídico.

Ilusão.

As empresas não só praticam a obsolescência programada como também esta é uma ferramenta da economia mundial e de nossa sociedade de consumo.

Então fui me aprofundar um pouco mais, já que sendo a economia um dos motores de evolução da nossa sociedade acreditei que esta forma de produzir os objetos para estragar era uma maneira de equilibrar os diversos princípios de nossa sociedade, gerando emprego, mas também um meio ambiente saudável, desenvolvendo novas tecnologias, mas respeitando os consumidores.

Mais uma vez errado!

Assisti diversos documentários, li vários livros e artigos, reabri a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor, pesquisei os tratados internacionais e, ao final, me senti como em um velório, com tanta letra de Lei morta.

Descobri que as marcas que mais gosto utilizam a obsolescência programada de forma natural, como parte do seu processo de produção.

Então, decepcionado, frustrado e um tanto perdido já que me vi em um mundo hipócrita e, pior, ajudando todo esse sistema, resolvi pedir ajuda aos universitários. Na verdade aos acadêmicos e estudiosos da área de design, especialmente ao professor Ivan Alexander Mizanzuk, que me indicou seu amigo, Paulo Ricardo Amaral, grande profissional da área.

Após alguns contatos via facebook o Paulo me indicou ótima bibliografia, documentários e material diverso. Além disso escreveu algumas considerações acerca do tema.

Ocorre que pela excelência do texto do profissional Paulo, resolvi posta-lo diretamente no blog, apenas com alguns comentários que faço como jurista, sempre em itálico e entre parênteses , senão vejamos:

Alessandro, em termos de design não existe nada de muito complexo a ser escrito sobre obsolescência programada em termos descritivos. É muito simples de aplicar, de identificar e descrever quando há obsolescência programada. É quando, de alguma forma, uma empresa engendra esquemas para diminuir ou acabar com o valor de uso dos produtos que vende antes mesmo desses saírem do estoque. É no momento do projeto. Já é feito pra quebrar, pra ficar fora de moda, para se tornar incompatível.

E não, não envolve só produzir um sistema com alguma peça frágil para que esta se quebre. Existe obsolescência programada psicológica. Que é mais sutil, mas nem tanto. Quando você lança um novo modelo com estética diferenciada, ou novo nome e com pouquíssimas ou nenhuma evolução de funcionalidades e isso já estava previsto. Mas que faz com que a "versão anterior" pareça velha e precise ser trocada.

Aí neste ponto, você como advogado, pode procurar sobre processos contra a Apple. Que todos os anos promove grandes eventos, lançado produtos inteiramente novos, mas em outros implementam muitas mudanças cosméticas pra gerar "hype" e predisposição de compra. Além do fato das atualizações do iOS que sempre fazem com que alguma geração de iPod ou iPhone acabe ficando sem compatibilidade e, portanto, datada.

Procure na Internet sobre as acusações que a Apple sofre no Brasil com relação aos iPads 3 e 4. Talvez encontre algo interessante para o seu post.

(As ações contra a Apple são conhecidas e não são privilégios da nossa nação. Outras ações judiciais vem sendo propostas contra grandes marcas multinacionais, pela utilização indiscriminada da obsolescência programada.)

Sobre o PDF (material que me foi enviado para estudo, resumido a seguir): como já disse, pelo recorte do design, não há muito o que se descrever sobre obsolescência programada. O que se pode fazer em termos de aprofundamento, é pegar tópicos relacionados ao tema e que de certa forma tenham a ver com a origem da prática da obsolescência programada. E é aí que entra todo o conhecimento em torno dos cliclos de vida das mercadorias.

Vamos ao início de tudo. Nos termos mais básicos do Marketing existe a noção de que as necessidades do ser humano são ilimitadas. Sempre haverá um anseio ou demanda a ser atendida. E existem maneiras diferentes de se obter o que se precisa/deseja:

Através da autoprodução: eu providencio com a minhas próprias mãos o que eu quero beber.

Através da súplica: eu imploro que alguém me dê o que preciso.

Através da coerção: assalto, ameaço e chantageio uma pessoa para que a mesma me dê algo de beber.

Através da TROCA: eu barganho oferecendo algum valor ou mercadoria em troca de bebida que alguém esteja disposto a oferecer.

O desejo e possibilidade de troca é o que gera os mercados. Todo mercado é uma arena de trocas em potencial. Possui tamanhos e segmentos específicos onde determinados produtos encontram os seus públicos. E acontece que nestes mercados os produtos não possuem demanda constante. Havendo um número limitado de pessoas, o que faz com que diversos bens duráveis acabem por saturar estes mercados em certo ponto e por isso, com o passar do tempo a demanda por essas mercadorias cada vez mais diminuirá. (Princípios básicos da Economia) O que você vai ver nessas páginas escaneadas é que existem várias fases no ciclo de vida de um produto, específico de uma empresa ou até mesmo uma categoria inteira de produtos. Sendo o declínio a fase que motiva diversas medidas para alavancagem de vendas. E uma delas é a INOVAÇÃO.

Criar novos produtos, serviços e negócios serve para manter as empresas no jogo e gerar interesse no consumidor. É assim que o cooktop toma o lugar dos fogões e os aparelhos do tipo airfrier dividem espaço com os fornos de microondas.

Existem várias estratégias para se alavancar vendas compensando os contratempos decorrentes da evolução do ciclo de vida dos produtos. Algumas delas são INOVAÇÃO, Segmentação, mudar distribuição e investir em propaganda.

E neste ponto entra a obsolescência programada. Acredito que a obsolescência seja um caminho mais barato e rápido do que a INOVAÇÃO. Ela muitas vezes é uma simulação de inovação, Técnica e estética, quando falamos de obsolescência programada que mexe com o psicológico e não com defeitos propositais.

Armadilha econômica.

Também vale a pena salientar que nós vivemos em uma economia que está alicerçada em medições de crescimento. Todas as atividades econômicas são avaliadas por critérios que avaliam a expansão. E tendo a expansão como fator positivo. Realidade e paradigma que geram pressão sobre empresas. Se de repente as empresas começam a saturar os mercados de produtos e simplesmente aceitam passivamente o declínio das vendas também não teremos um cenário favorável para a economia e manutenção dos empregos.

Sendo assim, mesmo que seja combatida e rejeitadas as empresas que praticam a obsolescência programada na sua forma mais perniciosa, haverá por uma questão de necessidade da economia, um movimento constante de inovação verdadeira e substituição de mercadorias com atualizações mais modernas, eficientes, úteis, mais bonitas etc. E mesmo este tipo de renovação dos produtos sendo mais benéfico do que a pura e simples obsolescência programada, há aspectos perniciosos. A gigantesca produção de lixo, o consumismo desenfreado, as pressões decorrentes da necessidade de inovação constante em prol da competitividade das empresas e outros fatores.

Relação a isso tenho um link pra te passar que é o site de uma iniciativa chamada "phonebloks", que busca diminuir o ritmo absurdo em torno das vendas de aparelhos celulares no mundo. Isto porque o celulares possuem componentes projetados exclusivamente para funcionar naquele conjunto sem qualquer compatibilidade entre modelos de marcas diferentes e até mesmo modelos diferentes de uma mesma marca.

O que gera dificuldades de manutenção e descartes supostamente desnecessários. Segue o link: http://phonebloks.com/

É uma iniciativa bastante interessante. Embora como designer eu julgue bastante ingênua e difícil de ter sua meta alcançada. Porque esse modelo sugerido era o mesmo modelo predominante na indústria de PCs. O problema que compatibilidade exige padrão e padrão produz mediocridade. Para que tenham vários componentes compatíveis entre si os gabinetes dos computadores tiveram que se manter enormes durante vários anos com todo aquele espaço vazio. Por conta da necessidade de que houvesse barramentos de placas padronizados, margem de espaço suficiente para placas de diferentes tamanhos, capacidades e características  de cada fabricante etc. Os padrões evoluem em uma velocidade muitas vezes frustrante. Cabos de transferência de dados que poderiam ser mais eficiente muitas vezes se mantêm os mesmo por mais tempo do que seria necessário etc.

CONTRA A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Existem conceitos que estão sendo experimentados na indústria, contra a produção absurda de lixo oriunda de bens duráveis descartados. Um que se chama "Slow Design".

E na moda existe o mesmo conceito batizado de "Slow Fashion". Esse "slow + nome da disciplina" se refere a um esforço de gerar um novo paradigma de consumo baseado na aquisição de bens PROJETAS para terem uma relação longa com os seus usuários. Por um preço maior, você adquire um produto que vai te acompanhar por mais tempo, com uma qualidade superior, com um apelo emocional mais forte que vai te levar a resistir à ideia de simplesmente jogá-lo fora etc.

Tudo isso para deter a descartabilidade e os produtos de baixíssimo custo que são possibilitados por exploração de trabalho escravo ou de baixíssima remuneração.

Há também uma tentativa de se estabelecer um novo paradigma de consumo baseado na substituição de produtos por serviços. Tal como esses sistemas de aluguel de bikes e carros. Exemplo: em vez de comprar uma bicicleta, você se torna cliente de uma empresa que tem centenas e às vezes milhares de bicicletários espalhados pela cidade onde você usa a sua conta para obter uma bicicleta para passear, ir trabalhar etc. Este é um contraponto interessante à obsolescência programada porque os serviços são prestados várias vezes sem que se precise obrigar o consumidor a descartar um produto de baixa qualidade que quebrou rapidamente.

Enfim, é basicamente isso que eu tenho a falar sobre o tema. Tem também um documentário chamado Objectified, sobre design, que toca alguns temas ambientais que você pode conseguir encontrar algumas conexões com o tema do seu post. Mas é longe de ser baseado em obsolescência programada. Por isso você vai ter que ralar se quiser fazer algum link. Ele estava disponível no Vimeo, mas agora foi retirado. Acredito que se você procurar por algum torrente com o nome "Objectified" você consiga encontrar.

Ah, lembrei agora: Harley Earl, é o nome de um executivo MUITO IMPORTANTE da indústria automotiva e foi ele quem alavancou a implementação do styling e da obsolescência programada psicológica no setor de automóveis, que estava bastante preso aos dogmas do fordismo, de uniformidade, simplicidade para atingir eficiência de produção. Levando pouco em consideração cores, estilos e renovação constante de modelos. Enfim, espero que alguma das coisas que estou te passando sirvam para o seu texto. Rs. Um abraço!

(Finalmente, gostaria de agradecer ao Ivan e especialmente ao Paulo, pela paciência em passar de forma tão clara e objetiva seu conhecimento. Em uma próxima oportunidade discorrerei acerca das ferramentas do judiciário para combater esta prática perniciosa, da obsolescência programada.)

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